Você pode atribuir os grandes inícios de livros à sorte.
Porém este não é um caminho muito interessante para quem deseja ser escritor. O melhor a fazer é estudar estes inícios. Procurar compreender como os escritores fizeram. Até para conseguir fazer igual ou melhor.
Mas você está disposto a isso? Ou vai se conformar?
Talvez até atribuir mil desculpas ao fato de não conseguir escrever um grande começo. Quem sabe, abrir mão deste esforço.
E, dessa forma, correr o risco de perder o leitor que se aventurava nas primeiras páginas do seu livro? É muito cedo para pensar nisso? Você está apenas começando?
Não importa o estágio que você está. O que importa é sua busca por escrever algo que impacte o leitor. Uma palavra ou uma frase que nunca mais sairá da mente dele.
Continue lendo este artigo para aprender:
- Por que é tão importante impressionar o leitor no começo?
- O que vemos em grandes inícios de livros
- O que não fazer em um início de livro?
- Como saber se minha frase inicial está boa?
- Bloqueio criativo: e quando eu não conseguir escrever a primeira frase?
- 20 Exemplos de grandes inícios de livros
Por que é tão importante impressionar o leitor no começo?
Imagine que você, leitor, entrou em uma livraria agora. Detalhe: com dinheiro apenas para comprar um livro.
E você quer realmente ler alguma coisa.
Fica em dúvida se compra outro livro do seu autor favorito. Ou se procura por algo novo. Então resolve se arriscar. Acaba caindo em uma estante de autores brasileiros contemporâneos.
Lê vários inícios. Um que começa desta forma:
“Era uma tarde quente de verão. As nuvens estavam no céu. Eu olhava aquilo tudo outra vez.”
Acha chato. Então pega outro livro. A grande arte, de Rubem Fonseca. Lê o seguinte começo:
“Não era uma ferramenta como as outras. Era feita de material de qualidade superior e o aprendizado do seu ofício muito mais longo e difícil. Para não falar no uso que dela fazia seu portador. Ele conhecia todas as técnicas do utensílio, era capaz de executar as manobras mais difíceis — a in-quartata, a passata sotto — com inigualável habilidade, mas usava-o para escrever a letra P, apenas isso, escrever a letra P no rosto de algumas mulheres.”
Que tal? Qual livro você compraria? Claro, tudo depende do seu gosto literário. Mas posso apostar que 90% das pessoas que lerem este artigo comprarão o segundo.
Por quê?
O segundo capta o leitor. O primeiro, entedia. Mas vamos entender melhor por que isso acontece no próximo tópico.
O que vemos em grandes inícios de livros
Quais são os elementos que fazem o leitor escolher um livro?
Aqui, claro, levando em conta que ele lesse apenas o começo da obra.
Não se trata de nenhuma fórmula mágica. Posso assegurar. Mas sim de um conjunto de possibliidades que podemos aplicar em nossa escrita.
Vamos a elas:
1) Mostrar o personagem principal
Sim, há quem escreva páginas e páginas antes de fazer isso. Apresentar o personagem principal é a base de tudo.
Aliás, quase ninguém lerá uma história em que o personagem principal não apareça desde o começo. A história fica destituída de interesse quando isso acontece. E não conseguimos entender o porquê de lermos aquele livro.
Portanto, é fundamental apresentar o personagem o quanto antes.
2) Iniciar com um começo chocante
Não há nada de novo nisso. Mas funciona. Quando o leitor fica chocado desde a primeira frase, com certeza ficará para ver o que vai acontecer.
E não estou falando de um sensacionalismo barato. Até por que nem sempre a violência nos choca.
Existem muitas coisas que nos impressionam.
Coisas como a poética de uma frase, uma fala inusitada ou um juramento de vingança (que pode ou não se concretizar durante a história).
3) Conseguir passar a “temperatura” da história
Ser honesto sobre o tema do livro também é importante. De que adianta o leitor comprar seu livro pela primeira frase e depois reclamar sobre a obra na internet?
Por isso, a importância de você transmitir a temperatura exata da obra. Qual o seu tema? Que tipo de abordagem usará? Será que você consegue transmitir isso desde a primeira frase?
Vale à pena a tentativa.
4) Ter ação na primeira frase
Esta é uma dica fundamental.
Procure começar o livro com ação desde a primeira frase.
Em vez de uma descrição morna, coloque alguém em ação. Provoque o leitor a descobrir o que o protagonista irá fazer. É importante que o personagem principal seja ativo.
Não apenas reativo às ações que sofre em seu meio.
5) Provocar mistério ou suspense
Não importa se em um filme, livro, quadrinho, teatro, jogo ou qualquer outro tipo de narrativa que você possa pensar, a curiosidade sempre será o fator-chave para prender alguém em uma história.
É um traço presente em todo ser humano. Somos curiosos.
Portanto, se há algum mistério, o leitor ficará. Se existe uma frase que provoca suspensão da ação, também. Usar este recurso não é apelar.
É sim trazer o leitor para o seu lado.
6) Citar uma grande verdade, mas dita de um jeito original
Esta é uma dica preciosa. Sabe quando dizem que “a voz do povo é a voz de Deus”?
Não quero discutir se é ou não. Mas uma coisa é certa. Pensar, significar e resignificar essas frases no início do seu livro provocará identificação do leitor.
Melhor ainda se você conseguir citar uma grande verdade, mas dita de um jeito original.
7) Começar se apresentando
Grandes clássicos, como Moby Dick, começam com apresentações. Quando você tem um narrador protagonista ou testemunha é difícil fugir disso.
Na realidade, acaba sendo fundamental se apresentar. É preciso informar ao leitor por que ele deve ouvir aquele narrador. Seguido sempre do que ele tem a contar.
Por isso, começar se apresentando.
E o que não fazer em inícios de livros? Você verá a seguir.
O que não fazer em um início de livro?
Você sabe o que fazer. Mas há alguns erros frequentes que escritores iniciantes cometem. Por isso, vamos falar também sobre o que não fazer.
Assim, seu aprendizado fica mais completo, ok?
Não estou “ditando regras.” Estas são apenas observações que fiz após muitas leituras críticas e avaliações de originais, ou em meu trabalho de mentoria.
Vamos aos começos que você deve evitar:
Introduções e explicações que nunca mais acabam
Neste sentido, levo para a vida uma coisa que aprendi com o escritor Marcelino Freire: “quando a história começa, as portas do inferno têm que estar abertas faz tempo.”
Corte todas as introduções. Comece com ação. Não fique explicando. Vá direto ao ponto e conte a história. Deixe que o leitor interprete e leia as entrelinhas.
Era uma vez…
Ok, se você estiver escrevendo uma história infantil. Mas lembre que este é o começo mais clichê de toda a ficção.
Então, a não ser que você esteja provocando uma subversão, ou disposto a escrever um grande clichê, fuja disso.
Seja criativo.
Se começar com ação, mantenha a pegada
Talvez você seja muito bom em começar com uma frase de ação. Mas de nada adianta começar com um soco no estômago do leitor, e depois não conseguir fazer mais nenhum arranhão.
Pense em como construir um começo que provoque o leitor. Mas nunca mais do que seu fim.
Deixe que o pessoal da climatologia fazer o serviço deles
Ninguém mais tem interesse em ler livros que começam com descrições climáticas. Você pode fazer melhor do que escrever: “era uma tarde quente de verão. As nuvens estavam no céu. Eu olhava aquilo tudo outra vez.”
Só inclua descrições climáticas se isso agregar algo à história. Um exemplo de bom uso dessas descrições são as narrativas de tensão transfigurada. Tratam-se de situações em que as mudanças no clima refletem o emocional do personagem.
Fora isso, e ainda mais na primeira frase, evite.
E depois de tudo isso, você você terá certeza da qualidade da sua frase inicial?
Como saber se minha frase inicial está boa?
Agora você sabe o que fazer. E até o que não fazer. Mas precisamos falar sobre “como” fazer. Qual o melhor caminho para elaborar uma frase inicial matadora?
Aqui é importante que você escreva primeiro. Depois torne a este tópico e faça-se as perguntas que levantarei a seguir.
Ou seja, deixe que seu lado escritor produza as frases. Em seguida, procure o editor que está em você e se faça as seguintes perguntas:
- É possível eliminar alguma palavra ou expressão sem se perder nada de fundamental para a compreensão? Sim, corte tudo que não acrescentar nada ao texto. Corte sem dó.
- Está claro o que você quer transmitir? Primeiro, pergunte-se o que você quer transmitir neste começo. Em seguida, faça-se a pergunta acima e procure modificar o que for preciso.
- Seu início está bem escrito? Ou não passa de uma frase gigante por pura vaidade sua? O importante na frase inicial é impactar o leitor. Não mostrar o quanto você sabe escrever ou usar palavras que ninguém usa. A tendência dos grandes escritores é com o passar dos anos ir escrevendo cada vez mais simples. Até que a grandeza de suas obras esteja nos significados. Não nas “palavras difíceis.”
- Esta é a melhor palavra que posso encontrar? Se você não gosta de poemas, deveria lê-los mesmo assim. Pois, apesar de escrever prosa, precisará pensar como poeta. É algo que também se alcança com o conto: a precisão nas palavras. Seja obsessivo com isso. Procure a melhor palavra e a use.
- Ritmo: ao ler em voz alta o início, você o faz sem tropeçar em nenhuma palavra? De novo algo que está no poema. O ritmo. É fundamental. E todos os grandes escritores são bons nisso.
- Há alguma coisa que você possa fazer para torná-la mais suave e fluída? Se sua frase inicial não tem fluidez, você tem um problema. Elimine advérbios, adjetivos ou pronomes demais. Costuma ajudar.
- Há alguma ambiguidade? E mais importante: ela foi planejada? A ambiguidade pode ser um importante recurso. Claro, quando é proposital. Ou pode ser um deslize seu. Portanto, pergunte ao seus leitores-beta e elimine este tipo de coisa.
- E vale à pena se perguntar: esta frase fará o leitor seguir no livro? É uma boa isca? É uma coisa que se pode testar perguntando às pessoas. Mostre a primeira página do seu livro para algum leitor. E, sem dizer que se trata do seu livro, pergunte se ele continuaria lendo. Fica a sugestão.
Bloqueio criativo: e quando eu não conseguir escrever a primeira frase?
Isso pode acontecer. E provavelmente você nem conseguirá ir adiante. É nessas horas que recomendo o conselho de Ernest Hemingway:
“Não se preocupe. Você sempre escreveu antes e vai escrever agora. Só o que precisa fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que sabe.”
Mas o que seria essa frase verdadeira?
Boa pergunta. O trecho em questão é do livro Paris é uma festa (ver na Amazon), de Hemingway. E o próprio autor explica:
“Assim finalmente eu escrevia uma frase verdadeira, e depois prosseguia a partir dali. Era fácil porque havia sempre uma frase verdadeira que eu sabia, tinha visto ou tinha ouvido alguém dizer. Se eu começava a escrever de maneira rebuscada, ou como alguém que introduz ou apresenta alguma coisa, descobria que podia cortar esse ornamento, jogá-lo fora e começar com a primeira frase declarativa simples e verdadeira que tinha escrito.”
Então se você está em um bloqueio criativo, limpe tudo. Exclua o que não acrescenta em nada. Procure ser simples e direto, evocar palavras com sentido para o que você quer dizer. E não palavras que só enfeitam.
Para inspirar você, vamos a alguns grandes exemplos de inícios.
20 Exemplos de grandes inícios de livros
1) A Lua Vem da Ásia, de Campos de Carvalho (ver na Amazon)
“Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.”
2) Moby Dick, de Herman Melville (ver na Amazon)
“Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia, suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco.”
3) A Metamorfose, Franz Kafka (ver na Amazon)
“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.
4) Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar (ver na Amazon)
“Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou para me levar de volta; minha mão, pouco antes dinâmica e em dura disciplina, percorria vagarosa a pele molhada do meu corpo.”
5) Clube da Luta, de Chuck Palahniuk (ver na Amazon)
“Primeiro Tyler me arruma um emprego de garçom, depois enfia um revólver na minha boca e diz que o primeiro passo para a vida eterna é morrer. Por muito tempo Tyler e eu fomos grandes amigos. As pessoas estão sempre me perguntando se conheço Tyler Durden.
Com o cano da arma quase encostado no fundo da minha garganta, ele afirma:
– Ninguém quer morrer de verdade.”
6) Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (ver na Amazon)
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mais um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.”
7) Lolita, de Vladimir Nabokov (ver na Amazon)
“Lolita, luz da minha vida, fogo da minha carne. Minha alma, meu pecado. Lo-li-ta: a ponta da língua toca em três pontos consecutivos do palato para encostar, ao três, nos dentes. Lo. Li. Ta.”
8) Macunaíma, de Mário de Andrade (ver na Amazon)
“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Sio incitavam a falar exclamava: If — Ai! que preguiça!… e não dizia mais nada.”
9) Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon (ver na Amazon)
“Um grito atravessa o céu. Já aconteceu antes, mas nada que se compare com esta vez.
É tarde demais. A Evacuação ainda continua, mas é tudo teatro. Não há luzes dentro dos vagões. Não há luz em lugar nenhum. Acima de sua cabeça elevam-se vigas velhas como uma rainha de aço, e em algum lugar lá no alto vidro que deixaria entrar a luz do dia. Mas é noite. Ele tem medo do modo como o vidro vai cair – em breve –, vai ser um espetáculo: o desabamento. Porém caindo na escuridão total, sem nenhum lampejo de luz, só um grande estrondo invísivel.”
10) Anna Kariênina, de Liev Tolstói (ver na Amazon)
“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Tudo era confusão na casa dos Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo teto. Essa situação já durava três dias e era um tormento para os cônjuges, para todos os familiares e para os criados. Todos, familiares e criados, achavam que não fazia sentido morarem os dois juntos e que pessoas reunidas por acaso em qualquer hospedaria estariam mais ligadas entre si do que eles.”
11) Memória de Minhas Putas Tristes, de Gabriel Garcia Márquez (ver na Amazon)
“No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível.”
12) Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (ver na Amazon)
“Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem, não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço; gosto, desde mal em minha mocidade. Daí vieram me chamar. Causa de um bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser-se viu -; e com máscara de cachorro. Me disseram: eu não quis avistar.”
13) Pergunte ao Pó, de John Fante (ver na Amazon)
“Uma noite, eu estava sentado na cama do meu quarto de hotel, em Bunker Hill, bem no meio de Los Angeles. Era uma noite importante na minha vida, porque eu precisava tomar uma decisão quanto ao hotel. Ou eu pagava ou eu saía: era o que dizia o bilhete, o bilhete que a senhoria havia colocado debaixo da minha porta. Um grande problema, que merecia atenção aguda. Eu o resolvi apagando a luz e indo para a cama.”
14) A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares (ver na Amazon)
“HOJE, nesta ilha, aconteceu um milagre. O verão adiantou-se. Coloquei a cama perto da piscina e fiquei tomando banho até muito tarde. Era impossível dormir. Dois ou três minutos fora bastavam para converter em suor a água que devia me proteger do calor inesperado. Pela madrugada, um gramofone despertou-me. Não pude voltar ao museu, a fim de buscar as coisas. Fugi pelos barrancos. Estou nos baixios do sul, entre plantas aquáticas, indignado por causa dos mosquitos, com o mar, ou córregos sujos, até a cintura vendo que antecipei absurdamente a minha fuga. Acho que essa gente não me veio procurar; talvez nem me tenham visto. Mas continuo o meu destino; estou desprovido de tudo, confinado ao lugar mais escasso, menos habitável da ilha; a pântanos, que o mar suprime uma vez por semana.”
15) Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez (ver na Amazon)
“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.”
16) Terra Sonâmbula, de Mia Couto (ver na Amazon)
“Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.”
17) Coração tão branco, de Javier Marías (ver na Amazon)
“Eu não quis saber, mas soube que uma das meninas, quando já não era menina e não fazia muito voltara de sua viagem de lua-de-mel, entrou no banheiro, pôs-se diante do espelho, abriu a blusa, tirou o sutiã e procurou o coração com a ponta da pistola do próprio pai, que estava na sala de almoço com parte da família e três convidados. Quando se ouviu a detonação, uns cinco minutos depois de a menina ter abandonado a mesa, o pai não se levantou de imediato, mas ficou alguns segundos paralisado com a boca cheia, sem se atrever a mastigar nem a engolir nem, menos ainda, a devolver o bocado ao prato; quando por fim se levantou e correu para o banheiro, os que o seguiram viram como, enquanto descobria o corpo ensanguentado da filha e levava as mãos à cabeça, ia passando o bocado de carne de um lado ao outro da boca, sem saber ainda o que fazer com ele.”
18) Angústia, de Graciliano Ramos (ver na Amazon)
“Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios. Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa. Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se.”
19) O Sol Também se Levanta, de Ernest Hemingway (ver na Amazon)
“Robert Cohn fora campeão de boxe na categoria dos pesos médios em Princeton. Não pensem que esse título me impressione. Mas significava muito para Cohn. Ele dava pouca importância ao boxe, que, de fato, desagradava-lhe, mas aprendera-o com esforço, apenas para contrabalançar o complexo de inferioridade e a timidez que sentira, porque o tratavam como judeu em Princeton. Sentia uma satisfação íntima em saber que poderia derrubar a quem quer que o provocasse. Mas, sendo muito tímido e ótimo rapaz, nunca travava luta fora do ginásio.”
20) Bonsai, de Alejandro Zambra (ver na Amazon)
“No final ela morre e ele fica sozinho, ainda que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes da morte dela, de Emilia.”
Conclusão
Depois deste artigo, você certamente será um expert em escrever primeiras frases. Ou pelo menos não cairá nos erros mais comuns.
Dizem que Gabriel Garcia Márquez levou duas semanas para escrever o início de Cem anos de solidão. Não à toa é um dos melhores livros da literatura universal. E será que seu editor teria lido se não fosse aquele grande começo?
Por isso, trabalhe e produza grandes começos. Faz parte da arte do escritor.
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Conte nos comentários o que achou deste conteúdo :)
Ótimas dicas, muito obrigada.
Obrigado, Lenir!
Ótimo artigo. Acho que só faltou o início do Estrangeiro de Albert Camus rsrs. Abrs
Valeu! Eita, faltou mesmo 🙂
Deixou o melhor para o final, hein garotão? heheheh Graciliano é foda demais!
Sempre, né? Haha.
Graciliano é mestre.
Pode parecer bobo para alguns, mas se tem um início que eu adoro e considero um dos melhores que conheço é: “Em uma toca no chão vivia um Hobbit.” Eu acho extraordinário, pois mesmo simples, aguça a curiosidade para a história.
Concordo com você, Miriam. É ótimo!
muito obrigada, vc nem imagina o quanto isso me ajudou
obrigada😊
Ah, fico muito feliz 🙂
Foi muito bom o q li ira me ajuda
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Olha aqui eu estou estudando textos de opinião não artigos opinião o burra(o)
Olá, Isabella. Não entendi seu comentário. Poderia explicar melhor?
Olá, gostei do artigo , dicas úteis e práticas, obrigada.
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Vilto Reis,
Esse artigo sobre escrita foi o melhor, mas bem escrito e o mais cheio de generosidade que já li até hoje! Você partilhou um conhecimento vosso de um jeito que qualquer um será capaz de compreender e mais: aplicar! Por isso, eu te agradeço em nome de todos os escritores amadores ou iniciantes, que porventura venham a ler esse artigo. Nunca obtive excelência condensada em tão poucas palavras!
Muito obrigado, de verdade!
Donizete Ribeiro
Grato pelas palavras gentis, Donizete.
Espero mesmo de coração que o artigo seja útil a muitas pessoas.
Deixo o convite para conhecer meus cursos, onde abordo os temas com mais profundidade: https://viltoreis.com/cursos/
Grande abraço!
Genial! Você citou exemplos incríveis! Vou tentar criar algo que se aproxime, ao menos um pouco, destes gigantes. Obrigada.
Boa sorte, Cristina!
Exemplos maravilhosos!
Sou curioso,
Gostei!!!!
Olá, neste momento que li este artigo, já me enchi de ideias e comecei imediatamente a escrever, foi o pilo do gato que precisa. Parabéns, super útil, amei 🥰
Fico feliz, Silvania! É isso aí! Siga escrevendo.