Dois anos atrás, Hugo* disse para mim que odiava tudo que escrevia. Perguntei o que ele costumava ler para aprender a escrever contos. Acredite se quiser. Ele citou os três únicos autores que leu na vida.
Como alguém pode ser escritor se não ler? É como um padeiro tentando fazer pão sem nunca ter provado.
Todo mundo já ouviu. A dica mais velha de todos os escritores é: leia bastante.
Foi o que disse a Hugo.
Ele me fez uma série de perguntas: mas ler o quê? Ler como? Por onde começo?
Por isso, vou compartilhar aqui uma lista de grandes contos que indiquei a Hugo. Poderia citar muitos outros (poxa, isso rende um texto. Devo escrevê-lo?).
Neste artigo, você terá uma sinopse de cada conto que você precisa ler. Por fim, vou contar o que aconteceu com Hugo. É uma história com uma grande virada.
21 Leituras para aprender a escrever contos
Vamos para esta lista de contos, seguidos sempre de uma pequena sinopse:
1 – A casa tomada, de Julio Cortázar: Com inúmeras interpretações, a história trata de dois irmãos que cuidam com zelo de uma casa. Porém a casa vai sendo tomada.
2 – A dama do cachorrinho, de Anton Tchékhov: Uma história de adultério. Porém com a visão singular e o detalhamento psicológico de Tchékhov.
3 – A fera do abismo, de Jack London: Os contos de London são caracterizados pela luta da civilização contra o animal que há dentro do homem. Nesta peça de ficção, o autor conta a história de um boxeador. Criado em meio à natureza, o personagem encontra dificuldades quando sai do ringue. No mundo do boxe, precisa lidar com seus agentes e empresários.
4 – A teoria do medalhão, de Machado de Assis: É impossível ler e não aprender a escrever contos com Machado. Em A teoria do medalhão, ele exibe os conselhos do pai ao filho que se tornou maior de idade. Sempre presente nos contos machadianos, surge a crítica social.
5 – A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa: Uma obra de arte do autor de Grande Sertão Veredas, este conto relata a história de um pai de família que cada vez mais vai se afastando do convívio familiar e se isolando em sua canoa, transitando por um rio, num claro simbolismo da arca de Noé.
6 – A vez de outubro, de Neil Gaiman: Com seu estilo fluído, este conto de Neil Gaiman mostra os meses como seres que se reúnem anualmente para contar suas histórias.
7 – Baleia, de Graciliano Ramos: Uma das histórias mais tristes já escrita, retrata um pai de família pronto a sacrificar a cachorra Baleia. O narrador de Graciliano nos dá uma aula de concisão neste conto.
8 – Conto (Não conto), de Sérgio Sant’Anna: Uma descontrução do mestre Sérgio Sant’Anna, na qual a ideia central é um espaço vazio que precisa ser ocupado por personagens.
9 – Dentro de um bosque, de Ryonosuke Akutagawa: Nada menos do que a reconstituição de o assassino de um samurai em sete versões diferentes.
10 – E a lua ainda brilha, de Ray Bradbury: Escrita de ficção científica com um estilo poético. Este conto de Bradbury mostra a quarta expedição á marte, onde os cientistas descobriram que todos os marcianos morreram de varicela/catapora.
11 – Gordo, de Raymond Carver: Narrado por um protagonista que observa um homem gordo que vai comer onde trabalha. O conto segue até uma epifania. Apesar de uma história tão banal, o texto prende pela técnica do autor (leia sobre a escrita dele)
12 – Janela indiscreta, de Cornell Woolrich: Um homem contempla sua vizinhança até suspeitar que um de seus vizinhos cometeu um crime (saiba mais sobre a adaptação que Hitchcock fez do conto).
13 – Me alugo para sonhar, de Gabriel Garcia Marquez: Um vislumbre do realismo mágico de Gabo. Trata-se da história de uma mulher que prevê o futuro através dos sonhos (Leia conselhos de Gabriel Garcia Marquez para escrever ficção).
14 – Minority Report, de Philip. K. Dick: A história se passa em um futuro onde os crimes podem ser previstos por um grupo de pessoas. O protagonista, líder de uma divisão da polícia que evita os crimes, descobre que ele mesmo irá cometer um crime.
15 – O Chamado de Cthulhu, de H.P Lovecraft: Clássico do horror, este conto apresenta um deus antigo que é tentado ser trazido de volta à vida por uma seita. Quer aprender a escrever contos de terror/horror? Leia Lovecraft.
16 – O cobrador, de Rubem Fonseca: Talvez a frase mais célebre da obra de Rubem Fonseca esteja neste conto: “Eu não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para ele, agora eu só cobro!” Trata-se de um personagem indignado com as injustiças da vida e que sai para se vingar.
17 – O gato preto, de Edgar Allan Poe: Um narrador perde o controle por causa de suas bebedeiras, tornando-se perverso. Uma brilhante história sobre a culpa. (Imagine uma oficina literária com Edgar Allan Poe! Já escrevi sobre isso). (Ler conto online).
18 – O jardim dos caminhos que se bifurcam, de Jorge Luis Borges: Retoma o tema do labirinto na obra de Borges. É uma história que inicia-se com uma perseguição e finda com uma abordagem metafísica.
19 – Os assassinos, de Ernest Hemingway: Primoroso por seus diálogos, este conto relata a trajetória de dois assassinos que vão acabar com a vida de um ex-boxeador (ler conto online).
20 – Os mortos, de James Joyce: Essencial para aprender a escrever contos. Nesta obra, o que aparenta ser apenas uma festa sem graça na casa das tias do protagonista. Mas vira uma revelação sobre sua esposa no ápice do conto.
21 – Um dia ideal para os peixes-banana, de J.D. Salinger: Este conto marcou uma virada na vida de Salinger, pois ao enviá-lo para a Revista The New Yorker, foi chamado para um trabalho de edição junto com o editor da publicação. O resultado das constantes revisões foi a criação deste que é, sem dúvidas, um dos melhores contos da história (até contei este acontecimento em um artigo acadêmico).
Conteúdos recomendados para aprender a escrever contos:
- Oficina literária com Edgar Allan Poe por Skype – Como seria?
- 10 Dicas para escrever contos – De um mestre especialista!
- Guia para escrever contos – Dicas essenciais, definições, história do gênero e muito mais!
O que aconteceu com Hugo após as leituras?
Conseguiu aprender a escrever contos?
A mudança foi surpreendente.
Hugo passou a escrever meia hora por dia. Além disso, lia sempre na ida e volta para o trabalho. A partir destes 21 contos, acabou lendo muitos outros.
E sabe qual é a melhor notícia? Seus contos melhoraram tanto que está fechando um volume de narrativas para a próxima edição do Prêmio SESC de Literatura.
E como já fui finalista, com meu romance Um gato chamado Borges, acredito que tem chances.
Até hoje me pergunto se Hugo leu todos. Não sei.
Mas e você, quantos já leu dessa lista?
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*Pedi permissão a Hugo antes de contar sua história. Ele aceitou, mas sugeriu que fosse colocado um nome fictício, para ocultar sua identidade.