As pessoas sempre me perguntam quais foram os melhores livros que li. O Caibalion, em que estão contidas as 7 Leis Herméticas, certamente é um deles.
Nos últimos 2 meses, li e reli, além de assistir 15 palestras da professora Lúcia Helena Galvão, no canal da Nova Acrópole. No entanto, sei que sequer arranhei a profundidade destes conhecimentos, mas continuarei tentando.
Neste artigo, vou expor algumas possibilidades de usos que os escritores podem fazer das Leis Herméticas. Continue lendo e, no fim, conte-me o que achou.
Antes, uma curiosidade.
Qual a origem do adjetivo hermético?
Você certamente ouviu dizer que determinado conhecimento, filosofia ou livro é hermético.
Mas qual a origem disso?
O adjetivo hermético vem de Hermes Trismegisto.
Para explicar a origem de sua utilização, uma das famosas frases de filósofo citado pode lançar luz à questão:
“Os lábios da Sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do Entendimento.”
A frase diz respeito a alguém que está disposto a buscar, ser um buscador que honre este conhecimento. Por isso, esta sabedoria é fechada, hermética e exige um grande esforço para alcançá-la.
A partir daí surge a banalização do adjetivo hermético, posto que vivemos em uma sociedade materialista que gira em torno do conforto, pouco disposta e interessada em buscar sabedoria.
Vamos então à próxima pergunta.
Quem é o autor das Leis Herméticas?
O hermetismo é o nome dado à filosofia de Hermes Trismegisto, ou “Hermes, o três vezes grande/iniciado”. Este sujeito teria vivido no Egito entre 2.500 e 1.500 antes da Era Comum.
Muitos sequer acreditam que tenha existido, mas como diz a professora Lúcia Helena Galvão:
“A pegada é do tamanho do caminhante.”
Uma pessoa que deixou um legado tão grande para humanidade dificilmente seria inventado.
Com as 7 leis, que posteriormente foram nomeadas como “Leis Herméticas”, Hermes pretendia explicar o funcionamento do universo.
Ousado? Sim, porém seu pensamento ecoa nos filósofos gregos, em ensinamentos indianos antigos e em outros textos de caráter místicos, religiosos ou filosóficos.
Enfim, vejamos quais são as 7 Leis Herméticas e como podemos aplicá-las à escrita.
As 7 Leis Herméticas aplicadas à escrita
Antes, uma ressalva.
Apesar de compostas por palavras muito simples, as 7 Leis Herméticas são de uma profundidade que um artigo como este não pode abarcar.
Para uma compreensão mais profunda, recomendo a leitura do livro O CAIBALION — Estudo da filosofia hermética do antigo Egito e da Grécia.
Abaixo, você encontrará uma breve explicação e uma aplicação à escrita. Mesmo sem conhecer a obra de origem, as reflexões se pretendem úteis a você.
Vamos às 7 Leis Herméticas:
1) Lei do Mentalismo
“O TODO é MENTE; o Universo é Mental.”
O hermetismo se refere a Deus como “O TODO”. Para além das convenções humanas, não se trata de um deus pessoal, que age e se comporta com paixões dos homens, mas de uma figura côsmica que contém tudo em si. Inclusive, nosso universo não passaria de uma criação na mente do TODO.
Ainda nesta linha de pensamento, os seres teriam em seu interior uma parte da essência do TODO.
E tal como o Todo de Trismegisto, criamos com a mente, não é mesmo?
Passamos horas e horas imaginando, compondo diálogos, criando situações para depois tornarmos os enredos em palavras que se tornarão histórias.
Aliás, não poderíamos dizer que cada um dos nossos personagens possui em si uma parte de nós?
2) Lei da Correspondência
“O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima.”
Os hermetistas criam também na existência de vários planos e subplanos sobrepostos. Para facilitar o estudo, no entanto, eles condensavam estes planos em:
- I. O Grande Plano Físico.
- II. O Grande Plano Mental.
- III. O Grande Plano Espiritual.
Deste modo, ao dizer que “o que está em cima é como o que está embaixo”, eles se referiam a uma correspondência entre os planos. Ou seja, a partir de um olhar atento e observador é possível deduzir o que há em outros planos, pois tudo corresponde.
(Esta é apenas uma das aplicações desta lei, ok?).
Qual reflexão tal ideia poderia gerar em nós escritores?
Por mais que o senso popular repita que “cada ser humano é único”, a verdade é que apesar de nossas distinções, somos também semelhantes. Talvez em camadas mais superficiais, as coisas que reparamos na personalidade dos outros, sejam muito diferentes. No entanto, temos mais semelhanças do que gostaríamos de admitir.
Um exemplo simples
E se eu perguntar a você quais são seus medos? Talvez você responda: não gosto de aranhas, altura me dá vertigem ou sou claustrofóbico.
Tudo bem, estes são medos que provém da personalidade, seja por formação familiar ou experiências de vida, mas podem ser contornados. Algumas pessoas se indentificarão, outras não.
Contudo, se você fizer uma reflexão mais profunda, investindo em autoconhecimento, talvez veja que seu medo real seja outro, como “perder alguém que ama.” Agora sim tocamos em um ponto sensível e dedutível a partir de nossos próprios medos.
Afinal, “o que está dentro é como o que está fora.”
Portanto, use este conhecimento ao imaginar conflitos para suas histórias.
3) Lei da Vibração
“Nada está parado, tudo se move, tudo vibra.”
Para o hermetismo, não existe matéria como a entendemos hoje, tudo é energia em vibração. A matéria nada mais é do que energia vibrando em sua forma mais grosseira.
Gastaríamos muitas linhas caso fôssemos explicar esta lei e o objetivo deste texto não é convencer ninguém de nada, mas apenas expor as leis herméticas.
Isto posto, vamos a uma aplicação para esta lei.
Se tudo vibra, por que algumas descrições são tão paradas?
Tempos atrás, enquanto lia romances de Yukio Mishima, comecei a perceber uma técnica utilizada por ele nas descrições.
Como sempre, o segredo está nos verbos. Verbo é ação e movimento. O escritor japonês nunca dizia que a “samambaia estava na parede” e sim que a “samambaia se pendurava no teto abrindo os braços”. Ou seja, mesmo para um objeto estático, ele utilizava verbos de movimento, o que tornava o texto móvel. Tal qual esta Lei Hermética.
4) Lei da Polaridade
“Tudo é Duplo; tudo tem pólos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.”
Esta é sem dúvida uma das leis herméticas mais curiosas e reveladoras.
Você conhece a expressão “são dois lados de uma mesma moeda”? Então, é mais ou menos isso. Outro exemplo é o termômetro. Frio e quente são idênticos em natureza, porém diferentes em graus.
Alguém poderá dizer: esta ideia não é óbvia demais?
Se é, por que as pessoas não aplicam em suas vidas? Ora, é fácil prever que um relacionamento que comece com um amor exagerado terminará em ódio, ciúmes etc. Afinal, o pêndulo sempre se move, como veremos na próxima lei, balançando de um lado a outro, conforme a força utilizada.
Ainda para os hermetistas, quem domina esta lei pode transmutar seu medo em coragem, por exemplo. A isso é chamado de alquimia mental.
Entre as várias aplicações que poderíamos levantar a partir desta lei, uma delas é que toda boa história é uma transmutação de uma polaridade a outra.
Se o personagem começa com uma natureza (comportamento), após os eventos vividos, deve terminar com outra. Muitas das vezes, em uma polaridade completamente oposta.
Assim sendo, toda história é um instrumento de transmutação.
Não será assim com nossas vidas também? Não seria para evoluirmos que entramos no palco ficcional da vida? É uma das hipóteses.
5) Lei do Ritmo
“Tudo tem fluxo e refluxo; tudo, em suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda; o ritmo é a compensação.”
Há quem diga que a história é cíclica. Assim sugere mais uma das Leis Herméticas, a do ritmo.
As “oscilações compensadas” atuam como um pêndulo em movimento, indo e voltando. Quem é muito feliz em um dia, será muito triste no outro. Empolgação demasiada leva à frustração. O filho critica o comportamento do pai e, em dado momento da vida, repete-o. E assim por diante. Poderíamos citar muitos exemplos da Lei do Ritmo em ação.
Como escapar desta oscilação?
Segundo o Caibalion, somente é possível por meio do princípio da neutralização dominado pelos sábios que se elevam. É uma leitura interessante que leva à reflexão, mas impossível de ser exposta aqui.
Vejamos como empregar a Lei do Ritmo à escrita.
Podemos considerar aplicá-la à disciplina. De nada adianta, começar um livro super-empolgado, escrever vinte páginas no primeiro dia e depois sequer abrir o arquivo outra vez. O pêndulo da motivação se moveu demais para um lado e, ao voltar, não sobrou nada de tal iniciativa.
Seria melhor começar em um ritmo lento e constante, talvez uma página por dia, e ao fim do ano ter um livro de 365 páginas, não?
Agora, como conseguir isso?
Elevando-se acima das desculpas e problemas cotidianos. Se sua Verdadeira Vontade é escrever um livro, nada deve se impor entre você e seu objetivo. Estabeleça um horário diário de escrita e cumpra-o, indiferente se as condições não forem as ideais.
Este é o único caminho para um escritor.
6) Lei do Gênero
“O Gênero está em tudo; tudo tem os seus Princípios Masculino e Feminino; o Gênero se manifesta em todos os planos.”
Quando se fala de gênero aqui, não se trata de sexo masculino ou feminino. É muito mais no sentido de geração. Dois princípios geradores que se manifestam em todo o universo.
Para evitar confusões, que uma leitura rápida como esta pode propiciar, chamemos então de Princípio Um e Princípio Dois.
O Princípio Um seria aquele que dirige sua energia/vontade e possui a iniciativa. Por sua vez, o Princípio Dois é o que gera e elabora a obra criadora. Um não funciona sem o outro. Segundo o hermetismo, esta expressão se manifesta em todos os planos do cósmico.
Como podemos aplicar esta lei à escrita?
Uma das possíveis aplicações é na composição de personagens.
Podemos ter histórias em que os protagonistas possuam um princípio em excesso e quase nada do outro. O objetivo seria então alcançar o equilíbrio por meio da jornada.
Outro caminho seria contrapor dois personagens em cena. Um deles dotado do Princípio Um, realizador e obstinado, que tem iniciativa, mas que nunca termina. O outro dominado pelo Princípio Dois, um verdadeiro executor com inúmeras competências, porém sem a iniciativa de criar, necessitando ser fecundado para partir à ação. Pronto, teremos um conflito.
As possibilidades são muitas, use sua criatividade, assim como os dois princípios.
7) Lei da Causa e Efeito
“Toda Causa tem seu Efeito; todo Efeito tem sua Causa; todas as coisas acontecem de acordo com a Lei; o Acaso é simplesmente um nome dado a uma Lei não reconhecida; existem muitos planos de causalidade, mas nada escapa à Lei.”
Em nenhum momento se fala de destino aqui, somente que para todo efeito há uma causa que o justifica. Quando não a conhecemos, nomeamos ela de acaso.
Neste ponto, fiquei tentado a dizer que em nenhum lugar esta lei poderia fazer mais sentido do que na ficção. Entretanto, ela funciona em qualquer situação, só não a percebemos.
Na ficção, todos os eventos estão interligados. Um personagem pisa numa planta e a despreza para depois descobrir que nela estava contida a cura para seus males. Outro trai alguém de quem precisará no futuro. Um terceiro só consegue superar uma situação porque adquiriu o conhecimento necessário anteriormente.
Uma causa, um efeito, assim diz mais uma das leis herméticas.
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Considerações finais sobre as Leis Herméticas
Este artigo sequer arranhou a superfície mais externa deste conteúdo.
Caso tenha interesse, recomendo a leitura do Caibalion e do Corpus Hermeticum, nesta ordem. São textos que exigem um mergulho de atenção que pode modificar sua perspectiva.
Sobre as aplicações que fiz aqui, elas poderiam se desdobrar em mais de dez para cada uma das Leis Herméticas. Contudo, o artigo seria infindável. Então deixo este desafio para você.
O que achou? Vê utilidade nas Leis Herméticas? Quais outras aplicações seriam possíveis?
Não deixe de comentar e demonstrar sua opinião!