Entender a focalização vai mudar sua escrita.
Porque de cada 10 alunos de Escrita Criativa, apenas 1 entende da primeira vez que tem contato com o conteúdo o que é o foco narrativo. Ou até mesmo dominam o narrador pouco depois de começarem a escrever.
A maioria desses conceitos se mostram vagos. E o escritor iniciante tem dificuldades em dominá-los.
E como não existe história ruim, apenas histórias mal contada, é algo que você precisa estudar.
No entanto, o que vou te mostrar a seguir torna tudo mais fácil. Pois a focalização, um conceito desenvolvido pelo prof. Luiz Antonio de Assis Brasil, é bem mais simples e prático.
Continue lendo este artigo para aprender sobre:
- O que é focalização?
- Focalização é mesmo mais fácil de entender do que narrador, foco narrativo ou ponto de vista?
- As 3 opções de focalização
- O maior erro de focalização que os iniciantes cometem?
O que é focalização?
Você deve estar ansioso.
O que é essa tal “focalização” que facilita o trabalho do escritor?
Poxa, e ainda bem mais simples que os abstratos narrador, ponto de vista ou foco narrativo.
Basicamente, é uma ideia proposta pelo prof. Luiz Antonio de Assis Brasil no livro Escrever ficção — Um manual de criação literária.
Além de simplificar a compreensão do foco narrativo, ainda permite uma melhor utilização do narrador. Pelo menos, por parte dos escritores iniciantes.
Pois com tantos narradores — como os propostos na tipologia de Norman Friedman —, fica difícil entender quando usar cada um deles.
Para ficar só nos de Friedman, qual você prefere para a sua história:
- Autor Onisciente Intruso
- Narrador Onisciente Neutro
- “Eu” como testemunha
- Narrador – Protagonista
- Onisciência Seletiva Múltipla
- Onisciência Seletiva
- Modo Dramático
- Câmera
Complexo, não? Eu mesmo tentei simplificar as coisas no artigo Narrador, Ponto de Vista e Foco Narrativo: Entenda de uma vez por todas o que são e como usar. E, claro, se quiser se aprofundar neste assunto, conhecendo as principais teorias e classificações, recomendo o livro Breve estudo sobre o foco narrativo, de Maicon Tenfen.
Mas e se em vez de se deparar com estes termos, tudo se resumisse a focalização interna, externa e onisciente?
Mais fácil, não?
Assis Brasil não rejeita as definições teóricas, apenas simplifica para o romancista.
E, acredite, é tudo que você precisa saber.
Embora possa estar se fazendo a pergunta abaixo.
É mesmo mais fácil de entender do que narrador, foco narrativo ou ponto de vista? Qual a diferença?
Quando recebi a primeira leitura crítica da minha vida, um dos comentários do meu mentor foi de que eu narrava a história muito de fora, distante do personagem. Isso não envolvia o leitor.
Confesso que não entendi lhufas do que ele disse.
Mais tarde, cursando inúmeras oficinas literárias, foi que o negócio entrou em minha cabeça.
Claro, depois de patinar para entender o que era o foco narrativo.
E se você está nessa fase, esqueça a comparação que costumam fazer.
Nunca achei boa metáfora a da câmera que acompanha o personagem principal. Afinal de contas, o grande trunfo da literatura sobre o cinema é oferecer uma perspectiva interior das emoções do personagem. Uma câmera não faz isso.
Após entender o tal foco narrativo, tornei-me tornei fiscal de ponto de vista (ah, a juventude e os extremos, um caso de amor). Bastava um deslize de um escritor em algum livro que lia para criticar suas histórias — nem sempre abertamente, por decoro.
Tudo isso poderia ser evitado e simplificado se tivesse me deparado com o conceito da focalização.
Veja o que Assis Brasil diz em Escrever ficção:
Encontramos nos manuais as expressões “foco narrativo” e “ponto de vista”, que poderiam ser sinônimos desse fenômeno. Sim, até certo ponto, mas nenhum tem a amplitude, a simplicidade e a leveza da focalização. (pg. 209)
Finalmente, explicarei as três possibilidades de focalização.
As 3 opções de focalização
Como comentei, na focalização tudo classifica-se em interna, externa e onisciente.
Entenda melhor o que é cada uma.
A Focalização Interna é aquela em que o narrador nos mostra cada detalhe do mundo na visão do personagem central. Inclusive seus sentimentos e vivências. Funciona em primeira, segunda e terceira pessoa. Um bom exemplo dessa prática é A festa do bode, de Mario Vargas Llosa — três pontos de vista. O ditador Trujillo e os revolucionários em terceira pessoa, e Urania, em primeira pessoa.
Já a Focalização Externa exige que o leitor interprete os sentimentos do personagem apenas a partir de seus gestos e ações. Assim sendo, é utilizada em terceira pessoa. Mas não se engane, é bastante difícil de usá-la e pouco provável que prenda atenção do leitor em textos longos como romances. No entanto, sempre há as boas exceções, como O falcão maltês, de Dashiell Hammett, e Onde os velhos não têm vez, de Cormac McCarthy.
Por último, a Focalização Onisciente em que (quase) tudo é permitido. Sempre em terceira pessoa, é a narração da maioria dos clássicos, como Guerra e Paz, de Liev Tolstói, e Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Neste caso, o leitor tem acesso a tudo do personagem. “seu passado, presente e futuro; além disso, nos permitimos emitir juízos de natureza ideológica, moral e política, e ainda sobre a história, sobre o personagem.” (pg. 211 de Escrever Ficção, de Assis Brasil).
Bem mais fácil, não?
Vou deixar abaixo um exemplo das focalizações internas e externas. É do livro atual que estou escrevendo (o título provisório, horrendo, por sinal, é A guardiã do totem).
Por acaso, cometi a loucura de começar com a focalização externa, achando que poderia levar o livro inteiro assim, mas depois tive de usar a interna. Vai ficar para a revisão eu corrigir os três primeiros capítulos.
Vejamos:
Focalização externa:
“Dentro de casa, jogou sua espada de treino em um canto; e a cota de malha para outro, quase derrubando uma das velas que iluminava o ambiente. Foi até a mesa que era guardada por dois bancos de madeira e coroada por um vasinho com um arranjo de flores. A mesa de refeições estava limpa. Uma veia pulsou em seu pescoço. Tomou o vasinho de sobre a mesa e o tacou na parede, provocando uma rachadura no casebre.”
Focalização interna:
“No canto do pátio que foi jardim, viu uma casinha, a estufa de sua mãe, com a porta balançando aberta, rangendo com o vento. Caminhou até lá. As rosas brancas raríssimas que a velha estúpida cultivava estavam completamente secas. A não ser por um vaso, em que permaneciam viçosas. Da infância à adolescência, quantas vezes foi convidada a entrar ali e ajudá-la. Mas nunca quis. Os ressentimentos não permitiam.”
É perceptível a diferença de focalização, não?
Bom, não posso permitir que você saia deste artigo sem o alerta a seguir.
O maior erro de focalização que os iniciantes cometem?
Mesmo com esta “facilidade” (as coisas nunca são o que parecem), há um erro frequente que escritores iniciantes cometem.
É o momento em que, na mesma cena, estamos acompanhando a focalização de um personagem e, de repente, pulamos para outro.
Assis Brasil chama isso de “desvio”. E explica:
“Qual é o problema?, você pode pensar. Nenhum, digo eu, mas caso isso aconteça, você precisa dar-lhe um destino, enfim, “resolvê-lo”. O leitor ficará esperando por isso.” (pg. 228).
Ou seja, digamos que você conte a história de Raimundo. A história apresenta ele chegando no campo de futebol, e lá ele encontra Clarice chorando.
De súbito, temos acesso à mente da menina. O narrador nos conta o que aconteceu com ela.
Será que o leitor não se interessará mais pela história de Clarice do que na de Raimundo?
Você terá que lidar com isso. E quanto mais abrir o leque de personagens, mais difícil ficará.
Conclusão
Dominar questões técnicas, como a da focalização é quase uma obrigação do escritor.
“Obrigação” é uma palavra forte.
Entretanto, a técnica, também chamada de escrita criativa, propicia ao leitor a potencialização do seu talento.
Para uma compreensão mais profunda do tema, recomendo efusivamente que você adquira o livro Escrever ficção — Um manual de criação literária, de Luiz Antonio de Assis Brasil.
Por fim, mantenha o foco em utilizar a focalização (e em não usar trocadilhos ruins como os meus).