Aqui no site já falamos sobre como escolher o melhor narrador e da focalização, mas vira e mexe, as pessoas me fazem a mesma pergunta. Qual o melhor ponto de vista para contar a história? Primeira, segunda ou terceira pessoa?
Por isso, assim que vi a animação First person vs. Second person vs. Third person, de Rebekah Bergman, no canal TEDed, soube que deveria trazê-la aqui para o site.
Abaixo você terá o vídeo em inglês para assistir e, aqui no artigo, a transcrição em português com alguns comentários meus.
Aproveite para entender este assunto de uma vez por todas!
Uma animação que explica quando usar primeira, segunda ou terceira pessoa
Na animação abaixo, você verá:
- O que são esses pontos de vista;
- Cada um deles aplicado à história da Rapunzel;
- Vantagens e desvantagens de utilizá-los;
- E diferentes usos em diferentes livros.
Confira abaixo (e não esqueça de ver a transcrição do áudio após o vídeo com os meus comentários):
Transcrição do vídeo e um pouco mais sobre primeira, segunda ou terceira pessoa
Antes de partir para a transcrição, que é uma tradução de Francielle Souza, só uma nota explicativa.
Os trechos de texto que estiverem com recuo e em itálico são a transcrição do vídeo. Já os que estiverem na mesma formatação deste parágrafo que você lê agora, são meus comentários. Vamos lá:
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“Eu sou um homem invisível.”
“A Sra. Dalloway disse que ela mesma ia comprar as flores.”
“Você está prestes a ler o novo romance de Ítalo Calvino.”
Essas são, respectivamente, as aberturas de “O homem invisível”, de Ralph Ellison; “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf; e “Se um viajante numa noite de inverno”, de Ítalo Calvino. Cada uma delas estabelece um diferente ponto de vista.
Quem está contando a história, e de qual perspectiva, são algumas das escolhas mais importantes que os escritores podem fazer. Contada de outro ponto de vista, a história pode mudar completamente.
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Só quero reforçar um ponto dessa fala da Rebekah Bergman. A decisão do ponto de vista, narrador, focalização (ou seja lá qual terminação use) faz toda a diferença para a história.
Outra dica é a da Francine Prose, no livro Para ler como um escritor, no qual ela fala de sempre pensar em alguém quando estiver escrevendo o livro, como se fosse o leitor para quem você endereça o que escreve. Isso te dá outra perspectiva.
Voltemos à transcrição do vídeo.
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A história de Rapunzel contada em primeira, segunda ou terceira pessoa
Vejamos este conto de fadas:
“‘Rapunzel, Rapunzel’, chamou o príncipe, ‘jogue suas tranças’. Rapunzel desenrolou o cabelo e o jogou pela janela. O príncipe escalou as tranças até a torre”.
A história de Rapunzel é normalmente contada por um narrador externo. Esse ponto de vista é chamado de terceira pessoa. Mas a história também poderia ser narrada por um personagem interno, um narrador em primeira pessoa:
“A ponta do cabelo de Rapunzel caiu aos meus pés. Eu a agarrei e comecei a subir… uh! Eu não conseguia me desvencilhar. Os fios grudaram em mim, colando no meu suor.”
Narrada em primeira pessoa, a história pode mudar drasticamente, dependendo do personagem que narra.
Digamos que Rapunzel estivesse narrando, e não o príncipe:
“Espero que ele valorize o tempo que levo para desenrolar quase 8 metros de cabelo. Aiiiii! Sendo honesta: achei que ia ficar careca. ‘Dá pra subir mais rápido’, gritei.”
Em segunda pessoa, o narrador se dirige ao leitor.
“Ele chama seu nome. E quer que você jogue seus cabelos. Você acabou de trançá-los, mas, poxa, não é sempre que você tem visitas.”
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Além de achar esta parte divertida no vídeo, o exemplo elucidou muito bem como cada ponto de vista trabalha.
Meu único adendo é que mesmo na terceira pessoa é possível contar a história de um ponto de vista interno. Isso vai ser explicado mais para frente, mas da forma que ficou, pode parecer que não é possível.
Seguindo.
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Restrições e usos
As perspectivas da terceira, da primeira e da segunda pessoa, cada uma proporciona possibilidades únicas assim como restrições.
Então como você escolhe um ponto de vista para sua história?
Restrições não são necessariamente algo ruim. Elas podem te ajudar a focar a história e destacar certos elementos.
Por exemplo, um narrador em terceira pessoa tende a se afastar dos personagens. Mas isso pode ser algo bom, quando o sentimento de distância é importante. Um narrador em terceira pessoa também pode ser limitado, pois ele pode ficar atrelado aos sentimentos e pensamentos de um personagem ou ele pode ser onisciente, navegando entre as mentes dos personagens, dando ao leitor mais informações.
Uma história em primeira pessoa cria uma proximidade entre leitor e narrador. Também fica restrita ao conhecimento do narrador. Isso pode criar suspense conforme o leitor vai descobrindo as informações junto com o personagem. Esse narrador não tem necessariamente que representar a experiência do personagem fidedignamente. Pode haver ilusão ou desonestidade.
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Neste último parágrafo, a Rebekah Bergman fala sobre o que, em português, conhecemos como “o narrador não-confiável.”
É impossível não citar Machado de Assis e seu Dom Casmurro. Não haveria nenhuma dúvida sobre se Capitú traiu ou não Bentinho caso o livro fosse narrado na terceira pessoa onisciente. Ou seja, parte da mágica do livro, está em o narrador nos revelar parte do que ele sabe e convém.
Vamos ver quais outros exemplos, Rebekah Bergman nos oferecer.
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Diferentes usos da primeira e da segunda pessoa para contar uma história
Em “Os vestígios do dia”, de Kazuo Ishiguro, Stevens, um velho mordomo britânico, em 1956, reconta seus anos de serviço, mas fracassa em reconhecer os erros do homem para quem trabalhou. As brechas em sua narrativa acabam chamando a atenção dos leitores para as falhas não reconhecidas da cultura e do sistema de classes em que ele vive.
O livro “We the animals”, de Justin Torres, começa com um narrador na primeira pessoa do plural:
“Nós éramos seis mãos esticadas, seis pés batendo; éramos irmãos, meninos, três reizinhos presos em uma disputa por mais.”
Em certo momento da história, o ponto de vista da história muda para primeira pessoa do singular, do “nós” para “eu”, conforme eles crescem, e um dos irmãos se sente alienado dos outros.
A escolha da segunda pessoa é menos comum. Exige que o escritor faça o leitor perder a descrença, para se tornar outro “você”. Quando o escritor põe o leitor na visão do personagem, isso pode gerar urgência e suspense. Porém, algumas vezes, a segunda pessoa serve mais para afastar o narrador de sua própria história do que aproximar o leitor dela. Nesses casos, esse narrador refere-se a si próprio como “você”, e não como “eu”.
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Normalmente, narradores em segunda pessoa são usados em narrativas breves ou em momentos chave de um romance.
Franz Kafka e David Foster Wallace foram autores que usaram este recurso em seus contos.
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Considerações finais
Escritores estão sempre experimentando diferentes pontos de vistas. Novas tecnologia de realidade aumentada podem expandir as possibilidades para essa variação. Ao colocar as pessoas em certo ponto de vista em um ambiente virtual, como isso transformaria nosso jeito de contar e experimentar histórias?
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O vídeo First person vs. Second person vs. Third person, de Rebekah Bergman, é uma verdadeira aula em 5 minutos. Eu não poderia condensar e nem explicar de uma forma melhor em tão pouco tempo. Por isso, espero que você tenha curtido.
Mas e aí, gostou deste artigo? Concorda? Discorda? Coloque nos comentários!
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E, se quiser continuar estudando sobre escrita, recomendo minha série 5 Conteúdos gratuitos para ESCREVER UM LIVRO.
Me conte!
o que você achou deste conteúdo?
Gostei muito do vídeo. Muito elucidativo e enriquecido pela transcrição nos comprova que escrever na 1, 2 ou 3 pessoa é fator escolha para a ênfase que se quer dar à estória e de como chegar ao leitor da forma que se deseja. As vezes, quero escrever na primeira pessoa, mas receio parecer autobiografia. Muito estranho rss. Gratidão Vilto.
Olá Vilto! Artigo muito esclarecedor! Amei a ideia de colocar um conto de fadas sob vários pontos de vista. Gostaria de saber, quantas vezes podemos mudar/trocar de narrador durante a escrita de um livro??
Abração!! 😉
Muito interessante o vídeo com a história da Rapunzel. Definindo os 3 tipos de narrador, podemos acertar com mais clareza que tipo de narrador devemos ser para descrever ou contar aquela nossa história. Obrigado, Vilto! Você sempre representa muito bem o que quer passar!
Valeu, cara. Muito obrigado por acompanhar!
Perfeito, concerteza voltarei para ler novamente e aprender mais sobre o mundo da leitura e escrita.
Que ótimo ouvir isso! Estarei sempre aqui para ajudar e trocar ideias sobre leitura, escrita e tudo mais que você quiser explorar. A jornada da escrita é contínua, e sempre há algo novo para aprender e descobrir. Até a próxima e boa escrita!