Como fazer uma worldbuilding, a construção de um mundo fictício?
Esta é a pergunta que me fiz ao voltar a escrever narrativas do gênero fantástico.
Também é um questionamento frequente de escritores de outros gêneros. Ficção científica, por exemplo.
Ou de criadores de mundos em que se passam histórias de várias mídias, como o RPG Tormenta — maior financiamento coletivo da história do Brasil.
Até mesmo romances realistas podem apresentar cidades ficcionais. Com intuito, é claro, de comportarem suas histórias.
Então por onde começar?
Normalmente, começaria-se por um mapa, culturas, idiomas etc. Bem no estilo J.R.R. Tolkien, autor de O senhor dos anéis.
Mas e se você quiser criar um mundo apenas para servir à história? Sem passar horas e horas estudando sobre formações geológicas, compondo mitologias feitas de poemas épicos, além de árvores genealógicas de personagens que sequer serão citados?
A escritora Kate Messner falou em um TED sobre isso (vídeo que você confere o vídeo no fim do artigo), uma sequência de perguntas que a ajudam a dinamizar este processo.
Adotei a linha de pensamento dela, após conhecê-la no site Ficção em Tópicos. E isso me ajudou muito na worldbuilding.
Antes de apresentar essas perguntas-chaves, vamos refletir o que é um mundo de fantasia e ótimos exemplos para se pautar.
Características de uma worldbuilding bem feita
Apesar de a visão de Kate Messner ser bem “minimalista” sobre como criar um mundo de fantasia, há quem realmente interesse-se por aprofundar-se em seu universo fictício.
E tudo bem. Não há problemas nisso.
Por isso, deixe-me citar:
4 pontos que você precisa observar em uma worldbuilding
Vamos a eles:
1) Física — Basicamente, o quão próximo de nossa realidade serão as leis da física do seu mundo?
Afinal de contas, é comum em histórias de fantasia que estas leis sejam quebradas por meio de magia, ou seus correspondentes tecnológicos.
Por exemplo, viajar mais rápido do que a velocidade da luz, como em Star Wars.
2) Cosmologia — Calma, você não precisa ser um astrônomo.
Porém é importante definir as leis que regem seu universo.
Como os mundos bizarros que podem aparecer em histórias de ficção científica — digamos duas luas num planeta habitado e as consequências disso. Ou os diferentes planos de existência de livros de fantasia, como alguém que vai ao céu, ou ao inferno etc.
Outro exemplo, seria a série A torre negra, de Stephen King. O protagonista, o último pistoleiro de seu mundo, acaba recebendo um visitante da nossa realidade logo no primeiro livro.
3) Geografia — Há até um termo para a criação de mapas fictícios: geoficção. Tamanha obsessão por criar a geografia na worldbuilding pode funcionar se estiver a serviço da história.
Nem sempre, entretanto, criar faunas e floras, padrões climáticos e biomas é útil.
Um exemplo de geografia a favor da trama é a série Duna, de Frank Hebert. A única utilidade do planeta Arrakis é a retirada do Melange, uma especiaria fundamental. No entanto, há as consequências disso, como a relação dos nativos do planeta, o povo do deserto, com os extratores do Império, que se acham no direito de ficar com o Melange.
4) Cultura — Com certeza, um item que não poderia faltar. Porque de nada adianta um universo incrível se não tivermos personagens.
Eles sim são a alma da história. E a cultura é tudo que dá base a eles, por meio de suas relações, de onde podem surgir os conflitos e o sistema de crenças e hábitos que influenciam na trama.
Criar uma cultura alienígena, por exemplo, é um grande desafio. Porque é necessário criar todo um sistema de pensamento, valores e crenças diferente do humano.
Por exemplo, o comportamento de uma raça a partir de seu idioma, como vemos no conto que dá título ao livro História da sua vida, de Ted Chiang.
Autores que criaram mundos fantásticos muito bem construídos:
Segue uma pequena lista, além dos já citados no artigo:
- Terry Pratchett, na série Discworld
- Robert Howard, nos contos de Conan
- Úrsula K. Leguin, no Ciclo de Terramar
- George R.R. Martin, em Crônicas de Gelo e Fogo
- J.K. Rowling, em Harry Potter
- Terry Brooks, em A espada de Shanara
- Felipe Castilho, em Filhos da degradação (em andamento, porém com um ótimo primeiro livro)
- Entre outros…
E, finalmente, falemos das perguntas-guias que vão facilitar seu trabalho.
Como construir um mundo de fantasia, segundo Kate Messner
Esta autora não é muito conhecida no Brasil, infelizmente.
Entretanto, é prolífica em inúmeros gêneros, como: infantil, realista, thriller, mistério e ficção científica.
Alguns de seus livros foram selecionados para programas de iniciação à leitura, devido à linguagem acessível e por tratar de temas sensíveis, tais quais as consequências dos vícios para as famílias, privilégios de classes e perspectivas culturais.
Antes de ser escritora em tempo integral, foi repórter de TV e professora por quinze anos, ensinando inglês ao ensino médio.
Que tal? Está habilitada a trazer uma perspectiva diferente sobre a worldbuilding? Se quiser pular para o fim do artigo e assistir o TED dela sobre o assunto, juro que vou entender.
Mas como chegou até aqui, dá uma olhada antes nas perguntas que compilei abaixo.
As perguntas criadas por ela, divididas em três grupos, são as seguintes (vou comentar cada grupo delas):
1) Criar uma linha do tempo com os eventos que deram início a este mundo.
– Que eventos passados o moldaram?
Importantíssimo, pois evita personagens rasos, que não têm história de fundo. E possibilitam ao mundo apresentar as consequências de eventos passados.
2) Responder perguntas que delineiam o mundo:
– Que regras estão em vigor? (Da lei da gravidade às regras sociais e às punições aos indivíduos que as quebram).
– Que tipo de governo esse mundo tem?
– Quem tem poder e quem não tem?
– No que as pessoas acreditam?
– E o que essa sociedade valoriza mais?
As organizações sociais fornecem as bases dos conflitos. Ou seja, a partir das hierarquias e o código moral proposto para um determinado grupo de pessoas, inúmeros conflitos podem surgir.
3) Perguntas que criam o dia a dia:
– Como é o clima nesse mundo?
– Onde os habitantes vivem, estudam e trabalham?
– O que eles comem e como eles brincam?
– Como eles tratam seus jovens e seus idosos?
– Quais relações que eles têm com animais e plantas?
– E os animais e plantas se parecem com o quê?
– Que tipo de tecnologia existe? (Transporte, comunicação, acesso à informação…).
Algo que não se pode perder de vista, ao criar-se um mundo fictício, é: como este lugar fantástico funciona no dia a dia? Não basta criar personagens heróicos e incríveis, se não soubermos como as pessoas simples vivem e como se relacionam, não ficará bem estabelecido por que outras pessoas se distinguem.
***
Enfim, parece simples. Talvez mesmo com todas as perguntas bem respondidas, você não passe de duas ou três páginas de documento.
E, acredite, pode ser o suficiente.
A ideia aqui é que você foque mais nos três principais pontos de uma história, a meu ver:
- Personagem
- Enredo
- Linguagem
É, claro, sem deixar seu mundo fantástico de lado.
***
E aí, gostou do método de Kate Messner? Que outro mundo fantástico deveria estar neste texto como exemplo? Você tem um metódo próprio?
Responda nos comentários!
Leia também: 5 Conselhos para criar um mundo de fantasia em que todos acreditarão.
Ah, e não deixe de assistir a própria Kate Messner falando sobre isso em um evento do TED:
Me conte!
o que você achou deste conteúdo?
Amei a explicação!!! Muito útil e objetiva, esse site é maravilhoso pra quem está tentando começar a escrever <3
Obrigado, Laura!
Uau! Adorei. Mutio obrigada, me ajudou muito. Não sabia como fazer meu mundo de fantasia, estava perdida, as dicas são incriveis, tiraram minhas duvidas. Vlw!
Fico feliz em saber, Rebeca. Siga em frente e escreva 😉
Incrível, conteúdo! Vou acompanhar muito esse site! :3
Obrigado, Gabriel. Espero que se inscreva na newsletter e siga acompanhando 😉