Pirâmide de Abstração é uma técnica literária utilizada por Brandon Sanderson para dar vida às cenas do seu texto.
Afinal, como evitar descrições vagas e genéricas? Como fazer o leitor ver e sentir o que está acontecendo?
A técnica da Pirâmide de Abstração ajuda a estruturar suas descrições, criando imagens detalhadas.
Muito se fala da famosa frase “show, don’t tell”, de Hemingway, mas pouco se ensina sobre como aplicá-la. Com este artigo, você vai entender como fazer isso.
Este conteúdo é baseado em uma aula de Sanderson ministrada em 2013 sobre como revisar textos para torná-los mais concretos, imediatos e precisos.
O primeiro passo é você entender o que é a pirâmide.
O Conceito da Pirâmide de Abstração
A Pirâmide de Abstração é uma ferramenta que ajuda a entender como a escrita pode se mover entre o concreto e o abstrato. A pirâmide é dividida em dois níveis principais:
- Abstrato: O nível mais alto da pirâmide, onde a escrita se torna mais teórica e menos imediata. Nesse nível, encontram-se explicações sobre o mundo, filosofia, abstrações e eventos passados ou futuros. Esses elementos fornecem contexto e ideias gerais, mas não estão diretamente ligados ao momento presente da narrativa.
- Concreto: O nível mais baixo da pirâmide, focado no imediato, no presente da cena. Aqui, a atenção está nas ações, ambientes e interações dos personagens. Esse nível é essencial para envolver o leitor diretamente na narrativa, criando uma experiência sensorial e visual que é fácil de imaginar.
O conceito central da Pirâmide de Abstração é o movimento de “descer” do topo da pirâmide (abstrato) para a base (concreto). A ideia é que a escrita se torne mais impactante à medida que você traz o abstrato para o concreto. Ao variar o nível de abstração, um escritor pode esclarecer ideias complexas, criar imagens vívidas, evocar emoções específicas e manter o interesse do leitor. É crucial encontrar o equilíbrio certo, pois uma supervalorização da linguagem abstrata pode levar a uma escrita vaga e difícil de entender, enquanto um excesso de linguagem concreta pode resultar em descrições tediosas e detalhadas demais.
Embora a pirâmide seja composta por esses dois níveis principais, é possível permanecer em uma posição intermediária, onde concreto e abstrato se encontram. Nesse espaço, a narrativa combina detalhes sensoriais e específicos com ideias mais amplas e contextuais.
Vamos agora aprofundar mais com exemplos!
A Base da Pirâmide — Imediato: Linguagem Concreta e Especificidade
Na Pirâmide de Abstração, a linguagem concreta forma a base. Isso significa começar suas descrições com detalhes específicos e tangíveis que ajudam a criar uma imagem clara e precisa na mente do leitor.
Exemplos:
- Abstrato: “A catedral sussurrava segredos antigos.”
- Concreto: “Ele passou por vitrais que retratavam cenas bíblicas, com cores vibrantes que dançavam pela nave quando a luz do sol atravessava o vidro.”
Sanderson destaca que adicionar detalhes concretos frequentemente adiciona palavras ao texto. Portanto, é fundamental cortar termos vagos ou redundantes.
Escritores de fantasia e sci-fi devem selecionar o que é importante. Por exemplo: suponhamos que a catedral fica numa praça onde o personagem principal vai enfrentar seu oponente, e a catedral é só parte do cenário, é melhor mantê-la no “Intermediário” e deixar o concreto (mostrar) para a briga que é o clímax da cena. Assim você não precisa dar tanta ênfase à catedral. Do contrário, se no momento do conflito o protagonista rouba um caco de vidro da janela para furar a barriga do antagonista, então é melhor descrever a catedral com mais detalhes.
Outro exemplo, em vez de descrever uma ação de um personagem com “ele meio correu, meio andou”, você pode usar “trotou”. Outra sugestão é substituir “continuando a andar” por “prosseguindo”.
Seu trabalho como escritor é decidir quando você vai fazer coisas assim, quando você vai transitar para momentos mais dirigidos pelo personagem e quando você vai seguir para a ação.
Além disso, a linguagem concreta ajuda a estabelecer o tom e a atmosfera da cena. Detalhes específicos podem evocar emoções e estados de espírito. Descrever a luz dos vitrais como “quase cegando” o personagem pode transmitir uma sensação de intensidade e reverência. Incluir sons, cheiros e texturas enriquece a experiência de leitura.
A Subida da Pirâmide: Ganhando o Direito de Ser Abstrato
Depois de estabelecer uma base sólida de linguagem concreta, a Pirâmide de Abstração permite que você introduza conceitos abstratos de maneira eficaz.
Para Sanderson o passado, quando contado ou regras do mundo, entra na categoria do abstrato e pode soar como um narrador que deixa de ser invisível, na tipologia de narradores de Norman Friedman.
Aqui um exemplo do Sanderson em Mistborn Primeira Era – O Império Final com intervenções entre chaves ([) para explicar:
“O obrigador assentiu, parado silenciosamente em sua túnica cinza. Parecia satisfeito – o que era uma coisa boa. [Esse início é concreto, no mesmo parágrafo ele transforma em abstrato – explica o mundo, como segue] Os skaa não eram propriedade de Tresting, na verdade. Como todos os skaa, eles pertenciam ao Senhor Soberano; Tresting apenas arrendava os trabalhadores de seu Deus, assim como pagava pelos serviços de seus obrigadores.” [Abstrato – explicação de mundo – soa sempre como um “contar” ou “explicar”).
Sanderson também sugere eliminar abstrações desnecessárias. Ele critica frases como “estar impressionado e sobrecarregado não fazia parte de seu plano” por serem vagas e distrativas.
Em vez disso, ele recomenda focar na ação ou no ambiente concreto. Comparações e contrastes podem ser usados para tornar uma descrição mais concreta e significativa.
Equilíbrio e Precisão na Pirâmide de Abstração
Ao revisar seu texto, é importante encontrar um equilíbrio entre fornecer detalhes suficientes para criar uma imagem precisa e manter o texto conciso e direto. Adicionar muitos detalhes pode tornar a leitura pesada, então é fundamental eliminar termos vagos ou redundantes.
Exemplos:
- Abstrato (contar): “Ele estava cansado.”
- Concreto/Imediato (mostrar): “Ele trotou pela rua, as botas arrastando pesadas contra a calçada poeirenta.”
Sanderson recomenda revisar e cortar cerca de 15% do texto original. Isso pode ser feito eliminando repetições, simplificando descrições e substituindo frases vagas por termos mais precisos.
Ele também sugere evitar o uso excessivo de “said bookisms” (variações de “disse”). Termos como “afirmou” ou “murmurou” podem distrair o leitor do diálogo real. Sanderson recomenda usar “disse” para manter a clareza e o foco no diálogo.
É importante ressaltar que no inglês não há grande preocupação com a repetição de palavras.
No português, somos mais versáteis com isso – na realidade, temos mais palavras também –, embora alguns escritores da nossa língua ignorem este princípio e marquem todos os diálogos com “disse” fulano.
Outra dica de Sanderson na mesma aula é mover as tags (chamados de verbos dicendi em português, como disse, perguntou, explicou etc) de diálogo para o início das frases, melhorando a clareza e fluidez do texto.
Por exemplo, em vez de colocar toda a fala do personagem e só no fim informar quem falou, faça como Sanderson em Mistborn Primeira Era – O Império Final:
“– Não – o obrigador respondeu. – Embora eu tenha outro assunto que desejo discutir com você. Não vim apenas por ordem do Lorde Venture, mas para… investigar alguns assuntos para o Cantão da Inquisição. Há rumores de que você gosta de se divertir com suas mulheres skaa.”
Aplicação Prática da Pirâmide de Abstração
Para aplicar a Pirâmide de Abstração de forma prática, é útil começar revisando suas descrições e buscando maneiras de torná-las mais concretas.
Ou seja, você deve olhar para a frase e ponderar: o que escrevi é imediato? É específico? Ou estou explicando (contando) o que aconteceu?
Outra técnica prática é revisar seu texto em busca de oportunidades para substituir termos vagos por palavras mais precisas.
Por exemplo, ao descrever ações, em vez de usar frases como “ele andou lentamente”, você pode usar “ele arrastou os pés”. Isso não só torna a ação mais clara, mas também adiciona uma camada de significado ao comportamento do personagem.
Conclusão
Da forma como é utilizada por Brandon Sanderson, a Pirâmide de Abstração é uma técnica valiosa para escritores que desejam criar descrições mais envolventes.
Ao construir uma base sólida de linguagem concreta, os escritores entregam uma cena que abrange todos os sentidos do leitor, aplicando o conceito a todos os modos narrativos.
Para aprender mais sobre essa técnica e outras dicas de escrita, assista à aula completa de Brandon Sanderson:
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Este artigo foi escrito por mim, Vilto Reis, em coautoria com a escritora Lily Alves (obrigado, Lily!).
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